31 de dezembro de 2011

Novo



 Limpei a casa e reorganizei os móveis. Joguei fora tudo que não me servia mais e só fazia acumular poeira dentro do meu coração. As lembranças continuam engavetadas, guardadas de mau jeito, para que eu possa dar uma olhada vez ou outra.
Ando cheia de vontades. Vontade enorme de ser feliz – sempre mais e mais, porque nós, seres humanos e de sangue pulsante correndo louco nas veias, temos essa mania de querer demais. Vontade de entregar-se ao novo, àquilo que ainda está chegando ou já chegou por completo – e me entrego. Vontade de plantar algumas árvores, muita alegria e gentileza no solo desse mundo desconcertado.
Meu coração tá transbordando de tanta coisa linda que tem guardada nele, e quero poder doar um pouco disso para todo aquele que queira experimentar – aprendi que não adianta se doar para quem nada quer ou não se deixa querer: a gente só se desgasta e gasta nosso carinho.
Vontade de jogar amor para cima, para baixo e para todos os lados. Nas diagonais, paralelas, perpendiculares e diversas outras direções. Espalhar o amor: “que seja doce”. Muito.
Que sejamos mais - e menos também. Que nossos estômagos se encham de borboletas e nossos corações se acalmem um pouco. Que mudemos – a nós e ao mundo. Que cresçamos. Que somemos e multipliquemos mais do que temos subtraído.

Que comecemos de novo e de novo, todos os dias.
           E que venha o novo. 





19 de dezembro de 2011

Sobre mares, olhos e chuvas


 
Tô me guiando na sorte, pelo acaso. Coisa rara, de uns tempos pra cá. Quem sabe até dê certo, valha o risco que a gente corre cada vez que insiste em abrir a alma e deixar pegar no coração. Sim, não. Talvez. As incertezas nunca foram tão certas.
Mesmo que as palavras acabem, ainda existem os olhos. E os olhos, benzinho, duram uma eternidade. Nem que o coração salte pela boca e a gente prenda no último instante; nem mesmo quando esse músculo tá cansado, parando de bater: os olhos ficam com a gente, custe o que custar. Mesmo sendo involuntário ver o reflexo dos seus quando fecho os meus, no interior das minhas pálpebras. Mesmo doendo, os olhos continuam bem guardados. Perto, longe, não importa. Vejo teus olhos daqui; eles conversam com os meus.
Entenda logo como sou e saiba me contornar vez ou outra. É que essa minha mania de contradição acaba atrapalhando muita coisa e eu vou ficando cada vez mais perdida dentro de mim. Quero que você fique, mas vai ter um momento em que vou espernear e pedir pra você desancorar o seu barco do meu cais: não vá, é só confusão minha. Quero mais é que você fique e explore meus mares. Entenda que minha maré é muito difícil de prever e que quase lua nenhuma dá jeito nisso. Entenda que você me dá vontade de navegar até onde for possível, só pra poder te encontrar de novo, no caso da gente se perder. Sou tempestade em copo d’água, mas quero que você me derrame por aí. Me espalhe, me guarde. Entenda que quase sempre isso aqui tá uma bagunça, mas se for problema dos grandes, eu dou um jeitinho de arrumar a casa. Mas quero que você mergulhe no meu mar, sim?

Hoje a maré tá calma. Com vontade de você, cada vez mais. Chove um pouco. A areia tá toda pontilhada, marcada da água, sabe como é? Acho uma delícia andar pela praia quando o chão tá assim, fazendo cócegas nos pés. Gosto quando a chuva sai de mim e vai molhar o mundo. 

De Orlando Pedroso



4 de dezembro de 2011

Exceção


“- (...) o murchar das flores é o sinal do nascimento dos frutos; e dos frutos vem a semente e o ciclo do coração... se as flores não murcharem, como há de existir frutos e sementes? Até os lírios murcham.
- Eu queria que as flores durassem para sempre.
- Assim como as primaveras?
- Mas a gente guarda pelo menos a lembrança delas, não é?  De certo modo, elas nunca morrem. Entende?
- Entendo. Concordo. Se você quer eternizar é só guardar direitinho, como uma flor dentro de um livro.
- Eu tenho flores guardadas assim.
- Eu tenho amores guardados assim.”

Engraçado que independentemente do tempo correr ou passar se arrastando, a gente tá no mesmo lugar, morrendo de saudade um do outro. Não importa se um dia foi espinho ou se já é flor de novo, eu te guardava – e guardo – de todo jeito, desde sempre. Você bem sabe dessa minha mania de passado, essa coisa de lembranças, detalhes. Canceriana demais. Cancerianos demais.
Amor-amizade: talvez a melhor definição de alguma coisa que a gente já fez. Esse amor raro, misturado, feito para nos levantar e derrubar ao mesmo tempo. Tão nosso. A gente nunca conseguiu se deixar ir. Mesmo com todos os desapegos, tentativas de expulsar de dentro do coração, investidas falhas e limites incertos: a gente nunca parou de se guardar. Nem que tenha sido de uma forma escondida ou escancarada - mas mentida -, a gente nunca conseguiu quebrar nossa promessa. Nem mesmo quando a primeira música que te mostrei dizia que eu ia embora.
É bom saber que no fundo, no fundo, a gente nunca mudou. Nem iremos. Uma delícia ouvir que ainda te causo sorrisos. Você sabe que por aqui também. O jardim continua bagunçado, como sempre, mas bem cuidado. A cada flor que nasce, lembro do significado de “cativar”. Lembro de você, nem que por meio segundo. Lembro tanto de como me deixei ser cativada por uma pessoa tão inconstante quanto eu. Logo nós, que mesmo tão cancerianos, temos toda essa falta de certeza.

A gente sempre vai ser esse parêntese em aberto.
Guardo flores assim. Cartas, caixas. Você. 


            Amores também.



1 de dezembro de 2011

Incêndio






O amor me consome
feito fogo faz com palha:


rápido,
           quente,
                       pó pra sempre.